Considerando nosso cotidiano frenético, em que diversas demandas de várias
ordens tomam o tempo de nossos dias a ponto de não nos darmos conta do quão
acelerados estamos, penso que a fruição artística pode ser um momento em que nos
damos de presente um espaço para nossa criatividade. O teatro pode ser, também, um momento em que recebemos um enunciado, por meio do trabalho realizado pelas
artistas, e, a partir do que nos atravessa, colocarmos nossos corpos à disposição de
decodifica-lo à nossa maneira. É comum ouvirmos depoimentos de espectadoras/es
dizendo que “viajaram” ao assistir uma peça de teatro, ou que compreenderam coisas
relativas a assuntos que não estão sendo diretamente representadas na cena, mas
que, indiretamente, pode nos arrematar para outros espaços – virtuais ou imaginativos, outros lugares, outros acontecimentos.
Isso se dá porque, de alguma forma, são feitas conexões entre o que se percebe durante a fruição e a bagagem de percepções que podemos ter armazenadas
em nossas memórias, lembranças e afetos e que também constituem a materialidade
de nossos corpos. Nesse sentido, um palhaço representando uma fera em cena pode nos transportar para variadas viagens inventivas ou mesmo para lembranças
profundas que despertam nossa sensibilidade. O terceiro Programa de Mediação aconteceu na Secretaria Municipal de Cultura no dia 27 de outubro de 2023. Os encontros de pré-fruição e pós-fruição aconteceram no mesmo dia e tiveram a apresentação do espetáculo O Feliz, do grupo Detalhe teatro, como meio propulsor de caminhos perceptivos e inventivos. No encontro de pré-fruição foram realizadas proposições que tiveram como inspiração o trabalho de sensibilização e sociabilização da comédia, na tentativa de alcançar o espírito da palhaçaria que é a linguagem teatral que permeia o espetáculo.
O Programa de Mediação teve a participação de um grupo de alunas e de duas professoras do curso noturno de Magistério do Colégio Pedro II. A pós fruição aconteceu de modo espontâneo logo após a apresentação da peça. Como o ator envolveu a plateia durante a apresentação, convidando algumas pessoas para entrarem em cena e o auxiliarem, aproveitando os comentários e risadas da plateia e os incluindo em sua performance, parte do público já se posicionou para uma conversa pós-espetáculo, compartilhando suas leituras sobre o que assistiram, confidenciando memórias e sensações a partir de determinadas cenas da peça e, assim, desdobou-se uma longa conversa afetiva e recheada de discussões sobre o binômio teatro-
educação, já que a plateia era, grande parte dela, composta por docentes.
Retomo a questão do tempo, iniciada neste texto, para refletir sobre a
importância de se fruir arte, principalmente, enquanto profissionais da área da
educação, e isso quer dizer que são pessoas que precisam estar disponíveis para
inúmeras demandas relativas não só a educação e sua burocracia do fazer, mas
também, inúmeras demandas relativas a formação de pessoas, demandas
educacionais, humanas e, também, artísticas, já que, enquanto seres vivos e vivas,
carregamos, em cada uma e um de nós, o potencial da criação. Esse potencial pode
fazer muitas diferenças. É nesse potencial que a proposição Articulando a Plateia de
Teatro acredita e se movimenta para fazê-lo florescer dentro de cada aluna/o,
professora/or, e demais pessoas que possam ser alcançadas com suas proposições e
projetos.
Podemos dizer que criar é o cerne do ato de assistir a uma peça de teatro. O ato de ler uma obra artística, segundo Paul Zumnthor, é um ato performativo. Em seu
livro Performance, recepção e leitura (2007), o autor nos chama atenção para o fato de haver a presença de dois corpos, o da pessoa que cria a obra e o da pessoa que recebe a obra, a receptora.
“O elemento da observação, marcado pela presença física de ambas, intensifica o caráter performancial” (Vidor, 2016, p. 114).
Ou seja, o encontro entre artista e plateia cria laços ritualísticos que extrapolam o espaço do acontecimento teatral. A espectadora/or entra em sua “viagem” ao assistir à peça e pode sofrer transformações em sua psiché. A partir delas, pode perceber a vida e o mundo através de uma outra perspectiva.
O caráter performancial passa, também, pela reunião de vários corpos e pelas percepções que esses corpos trocam entre si e que, nem sempre se expressam através de palavras, e sim, de sons do corpo como suspiro, susto, risada, choro, etc. Esses elementos celebram o acontecimento do encontro e o teatro é pautado por esse acontecimento, ele precisa da reunião de corpos para se materializar no tempo/espaço. São esses encontros que, a meu ver, podem nos fazer desacelerar e jogar com a nossa potencialidade criativa.
Programação: TBT - Temporada Blumenauense de Teatro
Espetáculo: O Feliz
Grupo: Detalhe Teatro
Sinopse: Sinopse: Feliz virá realizar o seu show. Nada pode dar errado. Feliz intitula-se “espírito livre” e tem tudo sob controle. Assim esperamos. Vai começar. Todos a
postos. Jean dá início à apresentação do jeito que combinaram, mas…
Mais informações sobre o espetáculo clique aqui
Registro Fotográfico: Sabrina Marthendal
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