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Atualizado: 10 de jan.


Espectadoras(es)- Docentes: tateando espaços de fruição, foi um projeto de  pesquisa teórico-prática realizado na cidade de Blumenau, entre os meses de setembro e novembro de 2023.  A proposta visou dar continuidade a investigação no campo da mediação teatral, intitulada “Articulando a Plateia de Teatro”, de autoria da artista e professora Sabrina de Moura. Dentre as ações previstas realizou-se 05 Programas de Mediação Teatral, em parceria com  a programação da Temporada Blumenauense de Teatro, com diferentes espetáculos e espaços da cidade. Os Programas buscaram dilatar a experiência estética das/os espectadoras/es, dialogando com a área da educação, os estudos da recepção, da pedagogia e da mediação teatral. 


Cabe salientar que as ações tiveram como protagonista as/os espectadoras/es-docentes e procuraram evidenciar a participação das pessoas receptoras também como artistas do acontecimento teatral. Parte-se da premissa que todo espetáculo teatral é uma obra inacabada, que ganha seus “acabamentos” no encontro com as/os espectadoras/es e que cada pessoa a seu modo - a partir das suas experiências, memórias, contextos - arremata o espetáculo a sua maneira. Os sentidos são traduzidos por cada pessoa do público de uma maneira singular e única, o que permite compreender cada indivíduo da plateia como coautor  da obra, mais que isso,  pode-se entender que a obra apenas torna-se obra no encontro com as/os espectadoras/es. Segundo o autor Flávio Desgranges, no livro A Inversão da Olhadela:  Alterações no ato do espectador teatral,


"O leitor da cena é convidado a assumir-se efetiva e explicitamente como produtor de sentidos, a engendrar elaborações particulares acerca da proposta artística. O que faz com que a cena recente não seja mais compreendida como obra de arte, como algo pronto, acabado, fechado para a interpretação, mas sim como objeto artístico, que solicita a colaboração do espectador para realizar-se como obra. O objeto, dessa maneira, se torna obra na leitura, em processo criativo que se opera sempre de modo distinto, em face do lugar social, do ponto de vista, do saber prévio, dos desejos, vontades, necessidades que fundam o sujeito-leitor. (DESGRANGES, 2017, p. 25)"

Porém, o ato criativo do sujeito-leitor muitas vezes torna-se ofuscado, como se o papel inventivo coubesse exclusivamente às pessoas envolvidas na apresentação do espetáculo, cabendo  às/os espectadoras/es a função de decifrar estas inventividades. O que pode remeter a uma ideia de que as pessoas do público são uma espécie de banco vazio, em que as/os artistas propositoras/es depositam suas criações. Uma concepção próxima do conceito de educação bancária, de Paulo Freire, que nos apresenta as complexidades alienantes de educadoras/es que fazem seus enunciados sem criarem possibilidades dialógicas na relação com as/os educandas/os e com o mundo. 

"Em lugar de comunicar-se, o educador faz “comunicados” e depósitos que os educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem. Eis aí a concepção “bancária” da educação, em que a única margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los.(...) Educador e educandos se arquivam na medida em que, nesta distorcida visão da educação, não há criatividade, não há transformação, não há saber. Só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e om os outros. " (FREIRE, 1996, p.57)

Assim como existe esta visão distorcida do conceito de educação, muitas vezes, a arte também pode imprimir uma relação pedagogizante, didática, com as/os espectadoras/es e reduzir as pessoas do público a simples leitoras/es de uma única mensagem a ser transmitida. Desta forma, anula-se que a tradução de sentidos, o estímulo das emoções, o incentivo a inventividade, o aguçar das sensibilidades, é inerente à própria experiência artística - tanto para quem propõe quanto para quem frui o espetáculo - o que torna ambas experiências produções de conhecimento. Contudo,  a arte das/os espectadoras/es ainda é um tanto invisibilizada. Foi justamente na tentativa de abrir espaços para que as/os espectadoras/es-docentes pudessem tornar-se mais conscientes de sua atuação criativa e estimular sua emancipação no processo de fruição que este projeto foi criado. 


Quando consideramos que as/os espectadoras/es também são coautoras/es do espetáculo, podemos atribuir-lhes também o papel de artista e nos perguntar: que formações são destinadas para as pessoas do público? Nós artistas propositoras/es fizemos vários cursos, graduações, oficinas, nossa criatividade é estimulada de diferentes maneiras. E as/os espectadoras/es? Na tentativa de ampliar e democratizar os processos artísticos, os 05 Programas de Mediação foram criados a partir da perspectiva da recepção, da atuação como espectadoras/es. Sendo assim,  os dispositivos buscaram estimular os sentidos, a disponibilidade para o jogo teatral, aguçar a imaginação e o interesse das/os espectadoras/es em dar seus sentidos às artes da cena. 


O conceito de Programa foi inspirado nos estudos da performance apresentados no texto Performance e Teatro: poéticas e políticas da cena contemporânea , de Eleonora Fabião, em que a autora coloca que “O performer não improvisa uma ideia: ele cria um programa e programa-se para realizá-lo” e que “Ao agir seu programa, desprograma o organismo e meio.”​ Deste modo, cada encontro de mediação com as pessoas espectadoras foi criado a partir desta ideia da performatividade em que as presenças, as narrativas, os efeitos, os imprevistos, os acontecimentos e desacontecimentos dos corpos envolvidos foram a mola propulsora de cada dispositivo programado. Considerou-se também o diálogo com as linguagens que cada espetáculo a ser fruído imprimia. Porém, tanto as dinâmicas propostas antes e/ou depois da fruição buscaram não influenciar na leitura das/os espectadoras/es-docentes, limitando as possibilidades de leituras, pelo contrário, a ideia foi expandir as perspectivas e disponibilidades da relação com as artes da cena no campo da recepção. 


Cada Programa de Mediação Teatral visava realizar três momentos presenciais com as/os espectadoras/es-docentes, com uma carga horária total de 6h, sendo:  01 encontro antes e outro depois da apresentação, com duração de 2h30min cada, e 1h de duração no dia da apreciação, considerando a recepção (30min) e o pós espetáculo (30min) com as/os espectadoras/es. Como já era previsto na metodologia do projeto de pesquisa, a disposição desta carga horária também seria objeto de investigação, sendo distribuída de maneiras diferentes conforme o desenrolar do projeto.  O processo investigativo foi registrado através de 05 textos que buscam relatar e desdobrar as particularidades de cada Programa de Mediação criado, discutindo pontos considerados pertinentes ao campo da mediação teatral em relação a área da educação. Para além deste registro textual, produziu-se ainda um videoarte convite, que foi enviado para as/os docentes na divulgação do projeto, 01 teaser que procurou resumir as  ações realizadas na pesquisa, 02 compartilhamentos virtuais ( 01 Encontro Google-Meet e 01 live no Instagram)


Para as pessoas que também têm interesse em tatear o campo da mediação teatral, segue abaixo os links das produções textuais e audiovisuais produzidas a partir das experiências deste projeto. Ressalta-se que em cada texto são abordadas diferentes temáticas, inspiradas nos espetáculos, nas circunstâncias que foram realizados os Programas de Mediação e baseados nos conceitos gerais já apresentados neste texto introdutório.  Para além das/os autoras/es já citadas/os esta pesquisa inspirou-se também em Maria Lúcia Pupo, Jacques Rancière, Jorge Larrosa, bell hooks, Jan Masschelein, Maarten Simons, Ailton Krenak, Heloise Baurich Vidor, entre outras/os. Espera-se com isso contribuir com a continuidade da democratização dos processos teatrais e a expansão das possibilidades no campo da mediação teatral. 












Atualizado: 10 de jun.


O último Programa de Mediação do projeto Espectadoras(es)- Docentes: tateando espaços de fruição, contou com o espetáculo De Página em Página, do gênero teatral de formas animadas, com a técnica de fantoches, manipulados pelo artista Sid Ditrix, que também assina a dramaturgia da peça. A direção do espetáculo é da artista Ana Acácia e ambos artistas são integrantes da Trupe Perambula.


Todas as ações do Programa de Mediação aconteceram no Arte Ativa Espaço Cultural, de modo concentrado. O encontro antes da apreciação da peça foi realizado das 13h30 às 16h30, a apresentação às 16h30 e a mediação pós a fruição das 17h30 às 20h30.


O Espaço Cultural é uma iniciativa da artista e professora Lu May, localizado no bairro da Fortaleza, que além de promover eventos culturais, também oferta cursos de teatro, contribuindo com a descentralização do acesso ao bens culturais na cidade.


A experiência deste conjunto de ações de mediação com as/os espectadoras(es)-docentes, moveu também a junção de um conjunto de artistas que dedicam-se em fomentar a arte teatral local e que me fez refletir questões estruturantes que compõem o complexo caleidoscópio do campo da mediação teatral.


Vale ressaltar que as ações de mediação foram realizadas em parceira com a TBT -Temporada Blumenauense de Teatro, um movimento existente desde 2005, organizado por grupos, artistas e produtoras/es da cidade de Blumenau, que busca impulsionar a arte teatral local. Porém, a articulação da TBT foi consideravelmente afetada após a pandemia do COVID-19. Apesar de termos estabelecido uma grande rede para a criação de projetos virtuais durante um dos períodos pandêmicos, o movimento não conseguiu manter-se ativo ao longo dos quase dois anos de distanciamento social por conta da pandemia.


A Temporada Blumenauense de Teatro pode representar uma das várias microestruturas fundantes que compõem a macroestrutura do campo da mediação. Neste movimento concentram-se pessoas que mantém espaços físicos destinados as atividades teatrais, pessoas que produzem os espetáculos na cidade; ministram cursos e oficinas; atuam na área da educação; promovem festivais e outros eventos, entre outros. E apesar deste projeto procurar se aprofundar nas possibilidades do universo linguístico/simbólico das espectadoras(es)-docentes, todas as questões que envolvem o acesso físico ao espetáculo são essenciais para a realização de ações dessa natureza.


Assim, sem uma programação teatral contínua, em que as ações sejam ofertadas gratuitamente ou com preços populares, sem a manutenção dos espaços físicos culturais, sem a garantia de que as pessoas tenham condições de deslocar-se até o local, torna-se praticamente inviável a realização de práticas de mediação na esfera simbólica. Em Blumenau, as artistas/produtoras da área do teatro ainda investem grande parte do seu tempo lutando para tentar garantir o acesso físico dos espetáculos ao público e por falta de políticas públicas efetivas, todo este trabalho ainda é ínfimo comparado a uma população de mais de 360.000 habitantes.


Todavia, são redes como a que a TBT movimenta que vão constituindo nossas microrrevoluções diárias no cotidiano blumenauense e que faz reexistir o teatro na cidade. O espaço gerido pela artista Lu May, o espetáculo do artista Sid Ditrix, da Trupe Perambula, são imprescindíveis para que um projeto como este de mediação teatral possa acontecer. E considero de suma importância que as/os docentes da área da educação sejam conscientes e participem deste movimento promovido pelas artistas locais.


Docentes participante do Programa de Mediação 5

Por isso, a aproximação entre a educação e o teatro pode ganhar outros contornos para além da circulação de espetáculos nas escolas e das idas dos estudantes ao teatro. Criar oportunidades de encontros antes e depois das apresentações com a comunidade escolar pode ser uma caminho neste sentido. Encontros estes em que o fazer e o fruir possam ter suas zonas limítrofes borradas e que a atuação das/os espectadoras/es como artistas seja evidenciada. Assim, como artista integrante da TBT, tenho me perguntado:


Como podemos incluir a formação das/os espectadoras/es nas nossas práticas/projetos? Como dilatar nossos processos artísticos contando com uma participação mais afetiva e efetiva das/os receptoras/es? Por que nossas práticas artístico-pedagógicas tendem a priorizar a técnica de artistas propositoras/es?


É justamente nesta direção, a fim de criar possibilidades para que as/os docentes possam ampliar sua relação com a arte teatral, que este projeto de pesquisa se movimentou. Para tanto, nesta etapa as/os docentes puderam conhecer um novo espaço cultural da cidade e habitar este lugar de diferentes maneiras. A oficina prática antes da fruição incluiu dinâmicas de relação com objetos inanimados, como por exemplo uma folha de papel, os percebendo também como extensão do corpo. Além das improvisações individuais em que cada pessoa relacionava-se apenas com a folha de papel, as participantes também puderam improvisar entre si. Nas nossas conversas falamos sobre a atuação das/os bonequeiras/os e as especificidades e alterações do Teatro de Formas Animadas. Neste programa não chegamos a criar cenas, mas isso não é uma regra, contudo, considero essencial alinhar e focar a prática na atuação das participantes como espectadoras/es.


Observa-se que o termo espectador – e não seu e correlato público – está no centro de nossas preocupações; não é, pois, ao conjunto quantitativamente configurado dos fruidores que voltamos nossa atenção, mas sim à subjetividade necessariamente envolvida na relação de cada indivíduo com a obra artística. ( PUPO, 2015, p. 333)




E na busca pelas individualidades, no encontro pós fruição, as professoras/es participaram de um bate-papo, em que o artista pôde responder as inquietações das pessoas da plateia. As perguntas giraram em torno das técnicas de manipulação e da dramaturgia. Após a conversa voltamos a sala e criamos outras dramaturgias coletivas a partir das reverberações do espetáculo. Nossas criações nos levaram a trocar sobre nossas vidas no hoje, no ontem e no amanhã, e assim, lemos algumas páginas de nossas subjetividades, escrevemos outras, rasuramos algumas já escritas e quiçá vislumbramos a possibilidade de algumas páginas em branco.




Referências


Maria Lúcia de Souza Barros Pupo - Luzes sobre o Espectador: artistas e docentes em ação

Rev. Bras. Estud. Presença, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 330-355, maio/ago. 2015.

D i s p o n í v e l e m : < h t t p : / / w w w . s e e r . u f r g s . b r / p r e s e n c a >



Espetáculo:  De Página em Página

Grupo: Trupe Perambula

Sinopse: Enfim, a casa da Oma!!!!! Pipe esperou ansioso por esse dia. Ficou em isolamento e planejou toda sua estadia na casa da tão querida Oma. Mas, chegando lá, apesar do delicioso cheirinho de comida caseira e da saudade que estava, seus planos vão de mal a pior quando descobre que na Oma não tem Wi-Fi. E agora? Será que Pipe conseguirá passar o dia sem dar nenhuma olhadinha na tela do celular? Talvez uma boa bisbilhotada pela casa e uma amizade inesperada, ajudem ele a reparar em outras coisas.

Mais informações sobre o espetáculo clique aqui

Registro Fotográfico:  Sabrina Marthendal




O quarto Programa de Mediação Teatral foi realizada na FURB, bairro Victor Konder, mais precisamente no departamento de Artes Cênicas, nas salas S113 e S125, também em um único dia, e teve a apresentação do espetáculo “Alguns Corpos” do Núcleo de Extensão da Carona Escola de Teatro. Neste Programa foi trabalhado com o grupo a sensibilização dos sentidos para compreensão sobre a pluralidade dos corpos humanos, através de procedimentos de mediação que traziam elementos do espetáculo.


O grupo de professoras e professores fez o aquecimento com o grupo de atrizes e atores antes de iniciar a cessão do espetáculo, aproximando, assim, não somente as espectadoras(es)-docentes da obra, mas também dilatando a percepção para múltiplas formas no fazer teatral.



Como sou responsável pelo Núcleo de Extensão da Carona Escola de Teatro, e diretora deste espetáculo, tenho proximidade com o grupo e tive a oportunidade de aproximar ainda mais as artistas das professoras e professores participantes deste Programa.


O corpo docente fez o aquecimento com as artistas antes delas entrarem em cena, isso aproximou os procedimentos de mediação que vínhamos realizando anteriormente aos procedimentos de montagem teatral e apresentação, algo que busco, em minhas pesquisas de mediação e recepção teatral, aproximar. Como professoras(es) e artistas estavam conectados e conectadas por conta desta dinâmica, a mediação pós apresentação ocorreu logo em seguida da apresentação.


O espetáculo termina com uma leitura coletiva com a participação da plateia. Neste sentido, foi como se o espetáculo não tivesse terminado na sua marcação de fim, e sim, estende-se para outros acontecimentos.

É aqui que percebo que a ideia de Programa, definido pela pesquisadora e teórica dos estudos da performance Eleonora Fabião como “um roteiro pré-estabelecido que tenta desprogramar organismo e meio” cria vida própria. É como se cada pessoa presente sentisse a


responsabilidade de fazer e de dizer aquilo que deve, no seu entendimento ético e político sobre o mundo, fazer e dizer. É quando nos posicionamos frente aos acontecimentos do mundo e compartilhamos o que acreditamos ser melhor para o bem comum e mais justo para com todos e todas.





Espetáculo:  Alguns Corpos

Grupo: Núcleo de Extensão Carona Escola de Teatro

Sinopse: Sinopse: Alguns corpos nascem e até morrerem representam muitos papéis. Alguns corpos são homenageados após a morte. Outros corpos são desprezados ao nascer. Alguns corpos são arrebatados pela incompreensão e pela violência de outros corpos em relação a suas existências. Alguns corpos se reconhecem ao perceber outros corpos. Alguns corpos se reúnem em um ritual artístico. Quais corpos são convidados a entrar na cena das nossas vidas.

Mais informações sobre o espetáculo clique aqui

Registro Fotográfico:  Sabrina Marthendal









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